Crônica de uma foto

 Crônica imaginada como se escrita por Rubem Alve

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No coração cinza do aeroporto, onde os relógios não marcam saudades, mas partidas, um abraço rasga o mundo. Ele a envolve com braços que não seguram apenas um corpo — seguram um tempo inteiro. É um homem e uma menina, mas também é um pai e a sua eternidade compactada em segundos. À sua volta, malas passam, pessoas falam ao celular, máquinas apitam. Mas nada disso existe ali. Só o abraço.


Ela, com mochila e coragem, já está metade no voo, metade no colo dele. Ele, com barba marcada de silêncios e olhos marejando despedidas contidas, aperta como se dissesse: “Vai, mas volta. Vai, mas me leva. Vai, mas ainda sou teu porto.”


O fundo amarelo não foi acaso — é a cor das partidas, mas também do sol que sempre nasce de novo. E é isso que o abraço diz sem palavras: mesmo quando você voar, meu amor vai ser chão.


Se um dia inventarem um lugar onde as emoções ficam impressas como pegadas na areia, essa imagem estará lá: um pai dizendo “eu te amo” com o corpo todo, e uma filha levando esse amor na mala.


Como dizia o cronista: há despedidas que doem, mas há dores que nos fazem inteiros. E aquele instante, na esquina entre o portão de embarque e o coração de um pai, é um desses milagres cotidianos que só o amor sabe narrar.


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